quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Entrevista com Dmitri Rogozin parte 1 de 2

Revista VEJA, 24 de Setembro de 2008

O embaixador da Rússia junto à OTAN diz que a Geórgia começou a guerra na Ossétia do Sul e acusa os Estados Unidos de estarem por trás da instabilidade no Cáucaso



Ao aceitar a indicação para ser embaixador da Rússia junto à OTAN, posto que assumiu e janeiro deste ano, Dimitri Rogozin, de 44 anos, parecia destinado a sumir do noticiário. Em seu país, ele fazia barulho fundando e liderando partidos ultranacionalistas, um dos quais banido das últimas eleições parlamentares por veicular na TV uma propaganda ofensiva contra imigrantes. A invasão da Geórgia pela Rússia, no mês passado, deu a Rogozin a oportunidade de exibir novamente seu estilo ácido defazer política – ou, no caso, diplomacia. Quando a OTAN, liderada pelos Estados Unidos, mandou navios com ajuda humanitária para as vítimas do conflito, ele soltou uma das suas contra o presidente da Geórgia: “Estão levando papel higiênico para o presidente Mikhail Saakashvili”. A confusão no Cáucaso deve se estender. Há duas semanas, a Rússia anunciou que vai manter, por tempo indeterminado, 7600 soldados na Ossétia do Sul e na Abkházia, regiões separatistas do país visinho. Rogozin concedeu a seguinte entrevista a VEJA, de seu escritório em Bruxelas, na Bélgica:


A guerra na Geórgia foi provocada pela Rússia?
Não. A guerra começou porque a Geórgia quis – e quer – resolver todos os problemas étnicos em seu território com agressões militares. Em abril deste ano, durante uma reunião em Bucareste, na Romênia, os membros da OTAN declararam que a Geórgia e a Ucrânia estavam aptas a integrar a aliança militar ocidental. Essa afirmação deu impulso à tensão no Cáucaso e foi interpretada pelo presidente Mikhail Saakashvili como uma licença para atacar a Ossétia do Sul e assassinar muita gente na região. Saakashvili deve ter pensado que, a partir daquele momento, poderia fazer o que quisesse, sem prestar contas a ninguém. A OTAN tem de admitir sua responsabilidade ao propiciar as matanças perpetradas por Saakashvili.


Duas semanas depois do fim do conflito, Moscou reconheceu a independência da Abkházia e da Ossétia do Sul, regiões separatistas da Geórgia. A guerra não forneceu um pretexto para uma antiga ambição russa?
Tudo o que aconteceu na Geórgia foi contra a nossa vontade. Não há dúvida de que o surgimento de dois novos países é um processo complicado. Mas ele é irreversível: trata-se da única maneira possível de defesa dos cidadãos da região. Depois da agressão de Saakashvili, todo mundo viu que não se pode conversar com esse senhor da guerra no Cáucaso. Dele, é possível esperar atitudes ainda piores. A independência dos dois ex-territórios georgianos é a condição para a paz.


A Abkházia e a Ossétia do Sul serão incorporados ao território russo?
Não, não e não. Ao contrário, o processo de independência em curso nas duas repúblicas demonstra que a Rússia não tem nenhum desejo de anexar tais territórios.


A Rússia diz que seus soldados entraram na Geórgia para defender os ossetas. O que eles estão fazendo, agora, para impedir a vingança das milícias separatistas contra os georgianos que vivem na Ossétia do Sul?
Não temos conhecimento de tudo o que ocorre na Ossétia do Sul. Mas, com a criação de uma nação livre, poderemos cobrar dos dirigentes da nova república explicações sobre os erros cometidos dentro de seus limites. É por esse motivo que a Rússia tem muito interesse em apoiar o surgimento de democracias fortes na Ossétia do Sul e Abkházia.


O Presidente George W. Bush enviou navios militares ao mar Negro para entregar ajuda humanitária à Geórgia e anunciou um pacote de 1 bilhão de dólares para a reconstrução do país. Como o senhor vê a atuação dos Estados Unidos no episódio?
A maneira como os EUA agiram nas últimas semanas demonstra que o país é um patrocinador militar e político de Saakashvili e de suas agressões contra os ossetas. É uma pena, mas é essa a verdade. Saakashvili é uma figura terrível não só para os cidadãos russos e para os pequenos povos da Ossétia e da Abkházia. Ele é uma figura terrível para o seu próprio país. Durante o seu mandato, a Geórgia corre o risco de perder parte considerável do seu território. Esse é o preço da agressão. A culpa é inteiramente de Saakashvili. Não se pode manter no poder alguém tão irresponsável como ele.


O que representa para a Rússia a decisão dos Estados Unidos de instalar um escudo antimíssil na Polônia, confirmada em um acordo assinado poucos dias depois do fim da guerra?
Trata-se de uma tentativa dos Estados Unidos de criar um problema a mais em nossas fronteiras e neutralizar nossa capacidade nuclear. Por isso é preciso buscar, de nossa parte, uma resposta a essa provocação.


Continua...

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